O velho siamês chegou de mansinho, como quem nada quer, e ficou observando, sem se aproximar totalmente. Era o momento em que eu alimentava os outros gatos. Ração aqui, ração ali, todos comiam, mas o siamês, à certa distância, só olhava, parecendo cismado. Percebi, obviamente, seu interesse: a ração. Apesar de quieto, parecia faminto. Não sei de onde ele vinha até o ver pela primeira vez, num dia qualquer
Quando os outros terminaram de comer e se afastaram, eis que o velho siamês se aproximou do que restou e começou a comer. Comia devagar, só, atento à ração e cuidando de se proteger. Parecia cismado - e era. Um gato graúdo, de corpo forte, mas aparentando idade. O formato da cabeça, o pelo e certa atitude denunciavam seus anos de vida. Era velho mesmo, mas inteiro, forte, valente, decidido. E ensimesmado, figura de poucas amizades. Chegava, não se relacionava com os outros gatos, esperava sua ração, comia e ia-se embora. Ou ficava por ali, à sombra, pois o sol é bem feroz nesse nosso nordeste, ainda mais em tempos de estio.
Voltou no seguinte ao dia em que nos conhecemos. E no outro. E depois. Tornou-se presente até permanecer mesmo fora da hora de comer. Dormia, a tarde corria, o sol ia de um lado ao outro do céu, ele ali, esperando, como os outros, chegar o fim da tarde.
Passaram-se meses. Ele perdeu a cisma. Já vinha me "pedir" ração, miando e até me puxando pela perna quando eu saia para dar de comer aos outros. Era impaciente nisso, mas comigo não era agressivo, nem perigoso. Aprendi a gostar dele. E ele, pelo visto, de mim. Alimentar um bicho, dar-lhe água, enfim, mostrar-se cuidadoso para com um animal, o faz irmão, nosso irmão. Sem comunicação que dê e receba palavra, comunicação de gestos, de olhares, de aproximações e de respeito, tudo isso é a relação que se estabelece entre uma pessoa e um bicho.
Eu não o via propriamente como especial, em relação aos outros. Digo: merecedor de algo a mais. Contudo, eu observava sua condição de velho. Como os menores, necessitava de um pouco mais de cuidado, pensava eu. Via-o como uma forma de reflexo daquilo que acontece também a nós, a velhice, e como é que se vive isso.
Quando adoeceu, eu e minha irmã lhe demos remédio. Ele melhorou, mas não totalmente. Creio que os sinais da idade já lhe pesavam mais que o que ele pudesse aguentar. Todavia, ainda havia vida em seu olhar e em seus gestos. Um dia, não apareceu. Mas, como é comum aos gatos, que somem por dias (ou meses) e depois reaparecem, acreditei que assim seria. Só que não. Os dias se sucederam, as semanas se passaram, os meses se foram e nada. Presumo que seu fim havia chegado e que ele, sentindo a passagem, deu de se recolher a algum canto onde partiu, quieto e silencioso, amigo de quem nunca esquecerei.
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Nota: a imagem do post foi retirada da internet, posto que não tenho imagens do velho siamês.
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Pequeno, mas possível. E suficiente. Mínimo, humilde, adequado. Este bloguinho de nome curioso - Só Um Transeunte -, o qual se quer simples e de bom uso, é administrado por Webston Moura, que é Tecnólogo de Frutos Tropicais, cronista e poeta.
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