sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Mistério





Viajando de ônibus, observa-se a paisagem às margens da estrada. Sempre atentei bem para isso. Lugares desertos, cercas, mato, povoados, gente, bichos. Dizia comigo mesmo de ali haver vida, uma vida vivida por outros que eu só via de longe, da janela do ônibus, vida que passava por mim e eu por ela. O ônibus seguia, e eu calado, de olhos abertos, com certo espanto, sem tocar aquela vida com mãos e pés de carne e osso. Nisso vi um mistério. E nunca pude mais que imaginar.

Como seriam ali os dias e noites? Que rotina haveria? Ora, não seria necessário um conhecimento especial para responder a estas perguntas, já que se tratava praticamente de um extensão do ambiente em que eu mesmo vivia, no mesmo estado e até no mesmo município ou num "igual" município vizinho. Mas, ainda assim, eu sentia algo diferente pelo diferente, mesmo que nem tão diferente assim.

De longe, apenas ver, sem ser de fato intimo, cria essa, digamos, estranheza. E, de certo modo, cria também uma atração. E, imaginativo que eu era, queria eu, então, pensar sobre aquilo. Quem sabe, inventar algo sobre, algo a que pudesse me prender, como a ficção que encontramos nos contos e romances literários, nos filmes, por exemplo.

Nalgum povoado, além da beira da estrada, do outro lado, lá estava a fileira de casas, umas casinhas, na verdade. Umas rosa, outras verdes, outras brancas. Pequenas casas de singelas janelas, aonde moças de olhar triste olhavam o ônibus passar. Qual o nome delas? Como passavam seus dias? Como reagiriam a mim, caso eu me aproximasse e tentasse conversar? Perguntas, mistério, fantasia.

Doutra vez, uma carroça puxada por um burro. A carga era um tonel de água. O carroceiro vinha ao chão, com uma vara na mão, tangendo o animal. O sol lhe ardia ao rosto e ao corpo. O trabalho parecia lhe pesar. Vida inglória, repetitiva, sem saída, pensava eu. Teria mulher e filhos? Imaginava-o, então, com o nome de João, Raimundo, Zacarias, algo assim. E sua mulher seria Maria.

Todas aquelas paisagens entranharam-se em mim, de algum forma, como um silêncio a que só o olhar tenha penetrado. E nem tanto. Perdura o desconhecido sobre tudo aquilo, lugares e pessoas, aquele tempo, o passado. A estranheza permanece, como que à espera da palavra, do encontro, dalguma coisa que, agora suspensa, se tornaria real e cotidiana. Mas, para que aqui ainda esteja eu a me lembrar com esta emoção, prefiro desconhecer e ficar com a imaginação, o mistério, a distância que, deste eterno viajar, seja de ônibus ou da escrita, possa me fazer mais interessante, mais humano. Mistério.


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Pequeno, mas possível. E suficiente. Mínimo, humilde, adequado. Este bloguinho de nome curioso -
Só Um Transeunte -, o qual se quer simples e de bom uso, é administrado por Webston Moura, que é Tecnólogo de Frutos Tropicais, cronista e poeta.

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